21 de janeiro de 2010

Biografia

Ela sempre foi complicada, sabe disso porque é o que dizem desde que se entende por gente.

Aos três anos já brigava com seu irmão mais velho e o fazia chorar pelo puro prazer de vê-lo. Enlouquecia a família, as babás, os vizinhos, os cães, os gatos... ah, os gatos... o último que se aventurou pelos lados do quintal teve seu rabo queimado pouco depois de quase morrer sufocado embaixo de um edredom. Na escola, já com seis anos, não se interessava por coisas de meninas, achava tudo muito chato e cor de rosa e queria mesmo era ficar com os meninos, ficar perto deles, brincar com eles e participar de tudo que eles faziam. Tanta paixão pelo sexo oposto começou a preocupar seu pai, afinal, ele queria uma mocinha que brincasse de boneca, imitasse a mãe, fosse meiga e o enchesse de carinhos. Muitas vezes conversou com ela, em algumas delas chegou a elevar o tom de sua voz, o que a aborreceu profundamente e fez com que ela, em muitas dessas ocasiões, fugisse de casa. As fugas sempre terminavam na segunda esquina, quando o pai, ofegante, finalmente a alcançava e carinhosamente (com um galho da jaboticabeira) a levava pra casa.

Aos sete anos conheceu sua primeira psicóloga, uma boa mulher, bastante paciente. Fazia muitas perguntas mas ela sempre se reservava ao direito de ficar calada. Um belo dia, depois de um comentário que a aborreceu, chamou a psicóloga do pior nome que ela conhecia e nunca mais teve que vê-la. Depois dela vieram outras (e outros), mas depois que aprendeu como se livrar deles nenhum durou mais que duas conversas. Aos nove anos jogou ovos na casa da vizinha e foi correndo contar para sua mãe que tinha visto o filho dela (da vizinha) fazer o serviço. Com aquela cara de santa, sua mãe não só acreditou nela como contou tudo para a vizinha. Naquele dia se divertiu sentada em cima do pé de abacate, assitistindo a surra que o pobre menino levou da mãe.

Em seu aniversário de 12 anos deu seu primeiro beijo (em uma menina, porque em um menino foi aos 8 anos). Achou tudo aquilo muito divertido mas entendeu que seu negócio eram os menininhos mesmo. Aos 13 anos já namorava e pensava no que haveria depois dos beijos. Aos 14 anos descobriu o que havia depois dos beijos. Alguns anos depois namorou o pai de sua melhor amiga, e com ele aprendeu as melhores coisas que alguém poderia ensinar à ela.

Hoje em dia (diz que) faz faculdade. Mora sozinha e curte baladinhas com os colegas todos os dias da semana. A vontade de ficar com os meninos continua a mesma, muito embora ainda goste de fazê-los chorar, exatamente como já fazia com seu irmão mais velho. Futuro? Nem pensa. Vive o presente da maneira como aprendeu a viver, pois nunca conseguiram ensilá-la a ser diferente.

Se é complicada ou não ela não sabe, mas prefere viver assim a ser uma chata moralista como o pai era, ou uma conformada como a mãe aceitava ser.

6 comentários:

Jacque disse...

Seria ela feliz? Sabe, penso que as pessoas anseiam liberdade e muitas vezes, nunca são de fato livres. A personagem de certo modo, é feliz, só que causa sofrimento aos outros. Eu não saberia ser livre dessa maneira. Analisando, vejo que ela carrega um boa dose de egoísmo, tipo: "Eu faço o que eu quero, do jeito que quero, o resto é que se dane." Mas, é tão óbvio. Quando se age dessa maneira, paga-se um preço. Seria esse o preço da felicidade? Seria ela realmente livre, mesmo vivendo sob o julgo de todos? Se bem que, nesse caso, ela tem razão. Nos preocupamos demais com que as pessoas pensam.

O texto é ótimo. Parabéns, mais uma vez!

Abraços, Angel!

Angel disse...

Jacque, conheço muitas pessoas assim. Não tem exatamente a história de vida dessa personagem, mas carregam consigo uma boa dose de egoísmo (você classificou bem). Não sei ao certo o preço que haverão de pagar, não sei o que pensam, nem se realmente são felizes. Mas de certa forma invejo quem faz tudo o que quer sem medir as consequências. Tendo valores, respeitando ao próximo, essa coragem só deve fazer bem!

Abraços, querida Jacque.

Thiago Gacciona disse...

Realmente muito bom!!!
Cativante, engraçado, mas, ao mesmo tempo, reflexivo.
Parabéns!

Angel disse...

Thiago, que prazer tê-lo por aqui!

Obrigada pelas palavras, fico feliz que tenha gostado. Um elogio é sempre bom, ainda mais quando vem de ótimos escritores.

Abraços.

Luís Gonçalves Ferreira disse...

Isso parece leviano e simples, mas cria a aí um molde moderno do que é crescer nesta sociedade. Vê-se insatisfação, transgressão e experimentação. Vê-se um espírito rebelde, mas baseado naquilo que lhe ensinaram a ser. Gostei bastante. Muito, aliás.

:)

Beijo, Angel!

Angel disse...

Pois é, Luís, isto é uma realidade. Parece que tudo é permitido, valores foram perdidos e cada qual (a maioria, é verdade) faz o que bem entende sem pensar nos outros. Uma pena isso.

Que bom que você gostou, meu caro!

Abraços!

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